Sabemos que a utilização de tablets, notebooks, smartphones, smart tvs, etc, facilitou muito o cotidiano, as interações interpessoais, o acesso a informação rápida e instantânea, mas seu uso abusivo também pode ser prejudicial à saúde. Uma reportagem da BBC Brasil em 2014, falou sobre as influências do uso destes equipamentos para a visão, ciclo circadiano e humor, citando colocações de oftalmologistas alemães a respeito do tema. A revista científica chinesa Molecular Vision, em parceria com a Sun Yat-sen University, lista vários estudos que demonstram as influências negativas da utilização dos equipamentos eletrônicos à base de luz azul, mais especificamente o LED (diodo emissor de luz), que podem afetar os ciclos de sono, humor, fisiologia da retina e meios transparentes do olho.
Diodo emissor de luz, a luz de LED ou luz azul.
Apesar de hoje muito se falar sobre a luz de LED, este dispositivo foi inventado na década de 60 por Nick Holonyac, na cor vermelha, com baixa intensidade luminosa e por muito tempo só foi utilizado para a indicação de estado ligado ou desligado em muitos equipamentos. Com o passar dos anos, outras tonalidades foram introduzidas no mercado, o amarelo e o verde, com comprimento de onda em torno de 550 nm, melhorando também a intensidade luminosa. Somente no início dos anos 90, com a introdução de uma tecnologia chamada InGan, foi possível obter-se LEDs com comprimento de onda menores, nas cores azul, verde e ciano, tecnologia esta que propiciou a obtenção do LED branco, cobrindo, assim, todo o espectro de cores. Segundo Tsubota et al (2016), o LED de luz branca é uma fonte bicromática que combina a emissão de um LED azul (com pico de emissão em torno de 450-470 nm) com um fósforo amarelo (pico de transmissão aproximadamente de 580 nm;) que faz parecer branco quando visto a olho nu. Os LED?s são utilizados para fornecer iluminação em ambientes industriais e comerciais. Os LEDs também são usados em TVs, computadores, telefones inteligentes e tablets. Embora a luz emitida pela maioria dos LEDs pareça branco, os LEDs têm pico de emissão na faixa de luz azul (400-490 nm).
O Epitélio Pigmentar da Retina (EPR)
Adler (2011), descreveu o EPR como uma monocamada de células epiteliais cuboides, que separa os fotorreceptores de seu suporte sanguíneo na coroide.

A membrana da poção retiniana das células do EPR forma numerosas microvilosidades largas que se interdigitam com os segmentos externos dos fotorreceptores. As células epiteliais do EPR estão unidas umas as outras mediante complexos de união formados por uniões estreitas proeminentes que dividem as células numa metade apical, dirigida à retina e uma metade basal, dirigida à coroide. O núcleo e numerosas mitocôndrias se localizam na metade basal. Um grande número de grânulos de pigmento, localizados predominantemente no citoplasma apical, são os que tão ao EPR sua tonalidade negra.
A porção retiniana do EPR enfrenta o espaço subrretiniano, que é o espaço extracelular que rodeia os segmentos externos dos fotorreceptores. O limite externo deste espaço é constituído pelas uniões estreitas do EPR, o que garante a difusão de substâncias hidrossolúveis entre o espaço subrretiniano e o espaço extracelular da coroide.
De acordo com Adler (2011), o EPR garante a supervivência dos fotorreceptores e dos capilares coróideanos. O EPR produz numerosas citocinas, entre elas, o fator básico de crescimento dos fibroblastos (FGFb), que estimula a supervivência dos fotorreceptores. As células epiteliais pigmentares atuam como células de apoio para os fotorreceptores, como a participação do EPR na renovação dos segmentos externos dos fotorreceptores, o armazenamento e metabolismo da vitamina A e as funções de transporte e barreira do epitélio.
O EPR é responsável por fagocitar os segmentos externos dos fotorreceptores. Adler (2011) explicou que a taxa de material de membrana ingerido e degradado pelas células do EPR é exponencial. A cada dia, uma célula do EPR extrafoveal deve ingerir e degradar um volume de material dos segmentos externos que corresponde a 7% do volume da própria célula do EPR. É provável que, em virtude desta carga fagocítica massiva das células do EPR, se acumulem grânulos de lipofuscina nelas com a idade.

Fig.2. EPR de uma criança de 3 anos e EPR de um adulto de 80 anos.
A produção de radicais livres pela célula e o estresse oxidativo
De acordo com Ferreira, ALA et al (1997), radical livre se refere a um átomo ou molécula reativa, que contem número ímpar de elétrons em sua última camada de valência, o que implica alta reatividade a esses átomos ou moléculas. O termo radical livre, por vezes, pode não se enquadrar, pois alguns deles não apresentam elétrons desemparelhados em sua última camada, sendo assim, a denominação mais correta seria espécies reativas do metabolismo do oxigênio (ERMO). As ERMO?s são encontradas em todos os sistemas biológicos.
Silva e Ferrari (2011), citaram como radicais livres o ânion superóxido (O2-), hidroxila (OH), e a lipoperoxila (LOO) e também elencaram ERMO?s capazes de reagir com moléculas celulares e teciduais, como o peróxido de hidrogênio (H2O2), o ácido hipocloroso (HClO), o óxido nítrico (NO) e o ânion peroxinitrito (ONOO), estes, em excesso, estão associados a lesões celulares como a peroxidação de lipídeos, a oxidação de proteínas, a inativação enzimática a ativação excessiva de genes inflamatórios (fator de necrose tumoral -TNF), interleucinas (OL), fator nuclear kappa beta, fator de crescimento transformado beta (TGFB) e danos ao DNA e aumento do risco de câncer.
Em condições fisiológicas do metabolismo celular aeróbio, o O2 sofre redução tetravalente, com aceitação de quatro elétrons, resultando na formação de H2O. Durante esse processo são formados intermediários reativos, como os radicais superóxido (O2-), hidroperoxila (HO2) e hidroxila (OH), e o peróxido de hidrogênio (H2O2). Normalmente, a redução completa do O2 ocorre na mitocôndria, e a reatividade das ERMO é neutralizada com a entrada de quatro elétrons. (FERREIRA, ALA ET AL , 1997).
O radical superóxido (O2-), apesar de ser considerado pouco reativo em soluções aquosas, tem sido observada lesão biológica secundária a sistemas geradores de oxigênio (enzimático, fagocítico ou químico). O radical hidroperoxila (HO2) é mais reativo que o superóxido, por sua facilidade em iniciar a destruição de membranas biológicas. Radical hidroxila (OH) é considerada a ERMO mais reativa em sistemas biológicos, pois combinada com outros radicais, pode causar mutações no DNA da celular. Ainda de acordo com Ferreira, ALA, et al (1997), embora as ERMOS possam ser mediadoras de doenças, sua formação nem sempre é prejudicial, contudo, poderão ocorrer vários eventos nosológicos, se houver uma produção exagerada destas espécies e a ela estiver associada uma falha na defesa antioxidante.

Todas as partes da célula estão sujeitas a ação das ERMO, porém a membrana é um dos mais atingidos em decorrência da peroxidação lipídica, que acarreta alterações na estrutura e na permeabilidade das membranas celulares. Em consequência, há perda da seletividade na troca iônica, na liberação de conteúdo intracelular, como as enzimas hidrolíticas dos lisossomas e formação de produtos citotóxicos, resultando em morte celular. Silva e Ferrari (2011) explicaram que "a união entre proteínas danificadas e produtos da peroxidação lipídica dá origem ao pigmento fluorescente chamado lipofuscina.? Também citaram que autores que falam sobre a teoria mitocondrial do envelhecimento sugerem que mutações ocorridas no genoma mitocondrial, reduzem a produção de ATP e predispõe a célula ao envelhecimento e a diversas doenças associadas a este (degeneração macular, progeria, ataxia telangiectasia).
Mecanismos de destruição ou danos das células retinianas pela exposição a luz azul
De acordo com Junior (2011), as células do EPR fagocitam os subprodutos da peroxidação das membranas e os resíduos liberados pelos cones e bastonetes, degradando-os enzimaticamente. Contudo, com o passar dos anos, há o acúmulo gradual destes subprodutos nas células do EPR sob a forma de lipofuscina. Com os danos provocados pelos radicais livres, há um aumento da oferta de lipídios e outras moléculas para o EPR e, consequentemente, ocorre maior número de lipofuscina e outras substâncias inertes.
De acordo com Tsubota et al (2016), a retina pode ser danificada pela exposição a luz, causando modificações em três níveis: nível fotomecânico, fototérmico e fotoquímico, sendo que o mais eficiente é o dano fotoquímico, por aumentar a produção de ERMO?s na retina e estimular o estresse oxidativo. O dano fotoquímico é o mais comum, ocorrendo quando a retina é exposta a luz de alta intensidade no espectro visível (390-600 nm). Pode haver dois tipos de danos por exposição a essa luz, no primeiro caso, por exposição intensa afetando o EPR e em segundo caso, por exposição menos intensa, mas a longo prazo, afetando o segmento externo dos fotorreceptores.
A exposição curta (até 12 h) à luz azul pode induzir danos no RPE do macaco rhesus, e uma relação clara foi encontrada entre a extensão do dano e a concentração de oxigênio. O fato de que muitos antioxidantes diferentes podem reduzir o dano sugere que esse tipo de dano está associado a processos oxidativos. Dados experimentais sugerem que a lipofuscina é o cromóforo envolvido na mediação do dano retiniano induzido pela luz após a exposição à luz azul. O segundo tipo de dano fotoquímico induzido pela luz ocorre com exposição de luz mais longa (12-48 h) mas menos intensa. Este tipo de dano foi observado inicialmente em ratos albinos, mas também foi observado em outras espécies. Os cones parecem ser mais vulneráveis em comparação com as hastes. Várias linhas de evidência sugerem que os pigmentos fotográficos visuais (por exemplo, rodopsina e opsinas) estão envolvidos neste tipo de dano. (TSUBOTA ET AL, 2016)
Alguns estudos forneceram evidências de que o espectro de luz para indução do dano na célula fotorreceptora é semelhante ao espectro de absorção da rodopsina, porém, outros estudos indicaram que a luz azul (400-440 nm) pode ser mais prejudicial.
Grimm et al. forneceu uma explicação para este fenômeno, demonstrando que a rodopsina descorada in vivo pode ser regenerada não só através de uma via metabólica (por exemplo, através do ciclo visual), mas também através de uma reação fotoquímica chamada fotorreversal de branqueamento que é mais efetiva com luz azul. A fotorrealização do branqueamento aumenta a capacidade das moléculas de rodopsina para absorver fotões por várias ordens de grandeza, permitindo assim que as moléculas atinjam o número crítico de fótons necessários para induzir danos nas células da retina. (TSUBOTA ET AL, 2016)
O processo citado pelo autor, pode aumentar a produção das ERMOS, assim o dano oxidativo pode levar ao acúmulo de lipofuscina no EPR fazendo com que esta camada perca a capacidade de fornecer nutrientes aos fotorreceptores, alterando suas funções. Além disso, a lipofuscina ao absorver a luz azul, se torna fototóxica, o que pode levar a maiores danos ao EPR e células fotorreceptoras.


A exposição excessiva à luz azul, além de acelerar processos de envelhecimento celular de um modo geral, modifica a resposta funcional das células da retina, provocando o desenvolvimento de patologias oculares com mais recorrência do que o esperado. Deve-se fazer o uso controlado dos dispositivos eletrônicos e buscar meios para diminuir os efeitos danosos da luz azul sobre o sistema visual e ocular.
Fonte: Rebeca Uchoa Saraiva